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Relato marcante de quem sofre bullying e gordofobia

sexta-feira, agosto 26, 2016 2 comentários

Tudo começou quando eu ainda era pequena, com 8 ou 9 anos. Quando eu me mudei pro Colégio Salesiano de Salvador foi quando eu comecei a ter noção do que era ser considerada diferente. Meu irmão já estudava lá e eu tentava ser social, fazer amizades. Foi quando eu comecei a virar chacota dos colegas de turma, mas eu ainda não entendia o porquê dos “apelidos”, o que eles tinham a ver comigo. Me chamavam de “rolha de poço”, “Nhonho”, “rasputia”, “BilaBilu”, a lista crescia com o passar do tempo, tanto na escola, quanto em casa.
Foi nesse período que minha família tentava me fazer emagrecer a todo custo. Me levaram em uma endocrinologista terrível, que me humilhava e dizia que eu era obesa. ‘Mainha’ nunca me defendeu. Toda consulta era um sofrimento. Ia chorando, forçada. Voltava chorando, desesperada. Fui obrigada a fazer dietas loucas, shakes horríveis que tomava com ânsias e náuseas, sopas de todos os jeitos. Fui crescendo nesse meio tóxico pra mim. Chorava escondida, comia escondida. Comecei a descontar minhas frustrações na comida e engordei cada vez mais.
Na escola, começava aquela fase dos amores platônicos, primeiro beijo, namorinhos de infância, etc. Perdi meu ‘BV’ numa brincadeira da garrafa, onde eu era a que ninguém nunca queria, a que sempre empurravam alguém pra sacanear. Nessa época eu fazia balé e jazz. Comecei a perceber, então, os olhares tortos, os olhares de pena dos professores que gostavam de mim. Cada vez mais eu ia me frustrando e abdicando de fazer o que eu realmente amava.
As roupas, nunca tinham do meu tamanho, minha avó tinha que dar um jeito. Meus amigos, que nunca foram amigos, falavam comigo dentro de sala, mas fora dela fingiam que não me conheciam. Era obrigada a suportar as “brincadeirinhas” e ainda ouvir das minhas “amigas” que eu deveria levar na esportiva, que eu “não tinha humor” - como se eu fosse palhaça de circo né?
Fui então percebendo o porquê de tudo aquilo. A razão era o meu peso, o meu corpo, eu ser gorda, que de algum modo incomodava o ego daqueles indivíduos e eles, que se sentiam superiores, achavam que tinham o direito de me humilhar, me machucar.
Cresci e não podia usar short, saia, vestido curto. “Pessoas gordas não podem usar isso”, me diziam. Na rua, eu tinha vergonha de comer, sempre recebia olhares, julgavam meu prato. Minha família jogava isso tudo na minha cara, diziam que eu ia morrer, ter doenças, etc. De fato comecei a ficar doente, desenvolvi psoríase e transtorno de ansiedade.
Ensino médio, também conhecido como pior fase da minha vida. Começava a fazer amigos no Salesiano, mas meus pais resolveram me mudar de colégio. Fui para o Antônio Vieira, vulgo inferno. Conheci o bullying em sua pior forma. Foram 3 anos em que eu quis e tentei me matar. Os alunos faziam corredor humano para eu passar no meio e todos rirem. Apontavam pra mim e riam, do nada. Tiravam fotos e faziam ‘memes’, vídeos, tudo que fosse material pra me humilhar. Jogavam estojos, garrafinhas e bolas de papel molhado em mim, no meio da aula. Nem nas férias tinha sossego. Me ligavam passando trote, me sacaneavam no Facebook, comentavam minhas fotos no Instagram. Chegaram ao ponto de pagar, por meio do jogo LOL, uns aos outros, para me xingarem. Contei aos meus pais e eles me perguntavam “o que eu fiz pra eles”. Ia até a direção do colégio e me diziam para procurar uma psicóloga, para me tratar. Até professor fazia “brincadeirinha”. Pessoas que “defendiam as minorias” me humilhavam, meus pais me humilhavam. Não existia um único lugar em que eu me sentisse bem. Meus novos “amigos” me diziam que era coisa da minha cabeça.
Meu cabelo começou a cair, meu couro cabeludo estava todo vermelho, irritado, até sangrava. Minha cabeça com uma espécie de caspa, mais grosseira, como um segundo couro. Parecia que tinha “farofa” nas minhas roupas. Feridas apareceram em diversas partes do meu corpo. Foi assim que descobri a psoríase, doença autoimune e, o melhor, sem cura! As pessoas tinham nojo de mim, até minha mãe tinha nojo de mim, dizia que eu ia ficar careca. Eu chorava e pedia pra ela parar, mas ela e meu pai achavam que era drama meu.
Minha cabeça estourava de dor, quase todo dia eu tinha enxaqueca. Aquilo me derrubava, eu só queria ficar em casa. Ia pra escola forçada e, o que dava pra inventar pra faltar a aula, eu inventava. Os acessos de choro ficavam cada vez maiores, as crises cada vez mais longas. O medo, o pavor, tudo crescia e então me descobri com transtorno de ansiedade. Ouvi diversas vezes que aquilo era coisa da minha cabeça, que não existia. Que minha escola só tinha gente legal. Que eram brincadeiras inocentes, não era por mal. Que eu estava sendo dramática e aumentando as coisas.
Aos 17 anos resolvi fazer cirurgia de redução de estômago. Já estava abalada, saúde, psicológico, tudo mal. Quis esconder a todo custo sobre a cirurgia, com medo dos julgamentos. Minha mãe, por outro lado, espalhou pra todo mundo e com isso as críticas vieram. Ou eu era a “forte” por decidir tão nova me arriscar nessa cirurgia, ou eu era a “fraca”, porque não tomei vergonha na cara para fechar a boca e emagrecer. A segunda opção era a favorita da maioria. Isso acabava comigo.
Pouco depois de entregar todos os meus exames e marcar a perícia necessária pra cirurgia, eu tentei me matar. Tentei, pois estava cansada de não ser aceita num mundo de padrões que só sabe humilhar, pisar, machucar e oprimir todos nós que estamos fora deles. Cansei. Mas então fiz a cirurgia.
Pensei que tudo ia mudar, que eu não ia mais sofrer daquele mal. Mas eu ainda estou longe do padrão.
Em março de 2016 fui para uma boate com uma amiga, comemorar o aniversário dela. Ousei. Estava me sentindo bem aquele dia, então coloquei uma saia jeans branca e um cropped preto. Minha amiga e suas amigas padrões logo encontraram boys e me deixaram completamente sozinha. Comecei a perceber que um grupo de caras idiotas da faculdade estava perto, fazendo graça e piadas de mim, apontando e rindo da minha cara. Segurei o choro e fui para o banheiro. A caminho de lá, fui parada por dois caras que ficaram fazendo piadinhas do tipo “pega essa aí”, “sua namorada gorda”, etc. Fugi o mais rápido que pude e mais a frente fui cercada novamente por outros moleques que ficaram rindo de mim e fazendo as mesmas piadas. Não aguentei. Fui para o banheiro e me acabei de chorar escondida, com medo de que alguém me ouvisse. Desabafei num grupo que eu participava e as meninas me ajudaram. Mas a dor ainda estava lá.
Decidi ir embora. Chamei meu táxi e fui pra casa, de madrugada, sozinha, numa cidade perigosa, me acabando de chorar dentro do carro. Chegando em casa, escondi meu choro, tomei um banho, esperei minha tia dormir e voltei a chorar. No outro dia a enxaqueca atacou forte.
São tantas histórias na minha vida que, se contasse todas, daria um livro. Os caras que só me “queriam” escondidos, porque eu, como gorda, não posso recusar quando alguém me quer. Minha cunhada e meu irmão preconceituosos. Meus pais que não me aceitam. Minha família e seus “comentários” sobre o meu corpo... São muitas.
Mas eu estou aqui, firme e forte, com a ajuda de pessoas que são, pela primeira vez, realmente minhas amigas de verdade. Que me amam, me apoiam, me ensinam a me amar, a me olhar no espelho e achar tudo bonito. Me ensinam a nunca mais abaixar a cabeça para essas situações, a nunca mais deixar alguém me pisar. Me ensinam que devo levantar minha cabeça porque sou linda do jeito que sou. 



 Este é um relato real de uma leitora, caso queira que sua história apareça aqui entre em contato. Não esqueça de comentar isso é muito importante.
 
Desenvolvido por Michelly Melo.

Personalizado por Eve Scintilla.