Tudo começou
quando eu ainda era pequena, com 8 ou 9 anos. Quando eu me mudei pro Colégio
Salesiano de Salvador foi quando eu comecei a ter noção do que era ser
considerada diferente. Meu irmão já estudava lá e eu tentava ser social, fazer
amizades. Foi quando eu comecei a virar chacota dos colegas de turma, mas eu
ainda não entendia o porquê dos “apelidos”, o que eles tinham a ver comigo. Me
chamavam de “rolha de poço”, “Nhonho”, “rasputia”, “BilaBilu”, a lista crescia
com o passar do tempo, tanto na escola, quanto em casa.
Foi nesse
período que minha família tentava me fazer emagrecer a todo custo. Me levaram
em uma endocrinologista terrível, que me humilhava e dizia que eu era obesa.
‘Mainha’ nunca me defendeu. Toda consulta era um sofrimento. Ia chorando,
forçada. Voltava chorando, desesperada. Fui obrigada a fazer dietas loucas,
shakes horríveis que tomava com ânsias e náuseas, sopas de todos os jeitos. Fui
crescendo nesse meio tóxico pra mim. Chorava escondida, comia escondida.
Comecei a descontar minhas frustrações na comida e engordei cada vez mais.
Na escola,
começava aquela fase dos amores platônicos, primeiro beijo, namorinhos de
infância, etc. Perdi meu ‘BV’ numa brincadeira da garrafa, onde eu era a que
ninguém nunca queria, a que sempre empurravam alguém pra sacanear. Nessa época
eu fazia balé e jazz. Comecei a perceber, então, os olhares tortos, os olhares
de pena dos professores que gostavam de mim. Cada vez mais eu ia me frustrando
e abdicando de fazer o que eu realmente amava.
As roupas,
nunca tinham do meu tamanho, minha avó tinha que
dar um jeito. Meus amigos, que nunca foram amigos, falavam comigo dentro de
sala, mas fora dela fingiam que não me conheciam. Era obrigada a suportar as “brincadeirinhas”
e ainda ouvir das minhas “amigas” que eu deveria levar na esportiva, que eu
“não tinha humor” - como se eu fosse palhaça de circo né?
Fui então
percebendo o porquê de tudo aquilo. A razão era o meu peso, o meu corpo, eu ser
gorda, que de algum modo incomodava o ego daqueles indivíduos e eles, que se
sentiam superiores, achavam que tinham o direito de me humilhar, me machucar.
Cresci e não
podia usar short, saia, vestido curto. “Pessoas gordas não podem usar isso”, me
diziam. Na rua, eu tinha vergonha de comer, sempre recebia olhares, julgavam
meu prato. Minha família jogava isso tudo na minha cara, diziam que eu ia
morrer, ter doenças, etc. De fato comecei a ficar doente, desenvolvi psoríase e
transtorno de ansiedade.
Ensino médio, também conhecido como pior fase da
minha vida. Começava a fazer amigos no Salesiano, mas meus pais resolveram me
mudar de colégio. Fui para o Antônio Vieira, vulgo inferno. Conheci o bullying
em sua pior forma. Foram 3 anos em que eu quis e tentei me matar. Os alunos
faziam corredor humano para eu passar no meio e todos rirem. Apontavam pra mim
e riam, do nada. Tiravam fotos e faziam ‘memes’, vídeos, tudo que fosse
material pra me humilhar. Jogavam estojos, garrafinhas e bolas de papel molhado
em mim, no meio da aula. Nem nas férias tinha sossego. Me ligavam passando
trote, me sacaneavam no Facebook, comentavam minhas fotos no Instagram.
Chegaram ao ponto de pagar, por meio do jogo LOL, uns
aos outros, para me xingarem. Contei aos meus pais e eles me perguntavam “o que
eu fiz pra eles”. Ia até a direção do colégio e me diziam para procurar uma
psicóloga, para me tratar. Até professor fazia “brincadeirinha”. Pessoas que
“defendiam as minorias” me humilhavam, meus pais me humilhavam. Não existia um
único lugar em que eu me sentisse bem. Meus novos “amigos” me diziam que era
coisa da minha cabeça.
Meu cabelo
começou a cair, meu couro cabeludo estava todo vermelho, irritado, até
sangrava. Minha cabeça com uma espécie de caspa, mais grosseira, como um
segundo couro. Parecia que tinha “farofa” nas minhas roupas. Feridas apareceram
em diversas partes do meu corpo. Foi assim que descobri a psoríase, doença
autoimune e, o melhor, sem cura! As pessoas tinham nojo de mim, até minha mãe
tinha nojo de mim, dizia que eu ia ficar careca. Eu chorava e pedia pra ela
parar, mas ela e meu pai achavam que era drama meu.
Minha cabeça
estourava de dor, quase todo dia eu tinha enxaqueca. Aquilo me derrubava, eu só
queria ficar em casa. Ia pra escola forçada e, o que dava pra inventar pra
faltar a aula, eu inventava. Os acessos de choro ficavam cada vez maiores, as
crises cada vez mais longas. O medo, o pavor, tudo crescia e então me descobri
com transtorno de ansiedade. Ouvi diversas vezes que aquilo era coisa da minha
cabeça, que não existia. Que minha escola só tinha gente legal. Que eram
brincadeiras inocentes, não era por mal. Que eu estava sendo dramática e
aumentando as coisas.
Aos 17 anos
resolvi fazer cirurgia de redução de estômago. Já estava abalada, saúde,
psicológico, tudo mal. Quis esconder a todo custo sobre a cirurgia, com medo
dos julgamentos. Minha mãe, por outro lado, espalhou pra todo mundo e com isso
as críticas vieram. Ou eu era a “forte” por decidir tão nova me arriscar nessa
cirurgia, ou eu era a “fraca”, porque não tomei vergonha na cara para fechar a
boca e emagrecer. A segunda opção era a favorita da maioria. Isso acabava comigo.
Pouco depois
de entregar todos os meus exames e marcar a perícia necessária pra cirurgia, eu
tentei me matar. Tentei, pois estava cansada de não ser aceita num mundo de
padrões que só sabe humilhar, pisar, machucar e oprimir todos nós que estamos
fora deles. Cansei. Mas então fiz a cirurgia.
Pensei que
tudo ia mudar, que eu não ia mais sofrer daquele mal. Mas eu ainda estou longe
do padrão.
Em março de
2016 fui para uma boate com uma amiga, comemorar o aniversário dela. Ousei.
Estava me sentindo bem aquele dia, então coloquei uma saia jeans branca e um
cropped preto. Minha amiga e suas amigas padrões logo encontraram boys e me deixaram completamente
sozinha. Comecei a perceber que um grupo de caras idiotas da faculdade estava
perto, fazendo graça e piadas de mim, apontando e rindo da minha cara. Segurei
o choro e fui para o banheiro. A caminho de lá, fui parada por dois caras que
ficaram fazendo piadinhas do tipo “pega essa aí”, “sua namorada gorda”, etc.
Fugi o mais rápido que pude e mais a frente fui cercada novamente por outros
moleques que ficaram rindo de mim e fazendo as mesmas piadas. Não aguentei. Fui
para o banheiro e me acabei de chorar escondida, com medo de que alguém me
ouvisse. Desabafei num grupo que eu participava e as meninas me ajudaram. Mas a
dor ainda estava lá.
Decidi ir
embora. Chamei meu táxi e fui pra casa, de madrugada, sozinha, numa cidade
perigosa, me acabando de chorar dentro do carro. Chegando em casa, escondi meu
choro, tomei um banho, esperei minha tia dormir e voltei a chorar. No outro dia
a enxaqueca atacou forte.
São tantas
histórias na minha vida que, se contasse todas, daria um livro. Os caras que só
me “queriam” escondidos, porque eu, como gorda, não posso recusar quando alguém
me quer. Minha cunhada e meu irmão preconceituosos. Meus pais que não me
aceitam. Minha família e seus “comentários” sobre o meu corpo... São muitas.
Mas eu estou
aqui, firme e forte, com a ajuda de pessoas que são, pela primeira vez,
realmente minhas amigas de verdade. Que me amam, me apoiam, me ensinam a me
amar, a me olhar no espelho e achar tudo bonito. Me ensinam a nunca mais
abaixar a cabeça para essas situações, a nunca mais deixar alguém me pisar. Me
ensinam que devo levantar minha cabeça porque sou linda do jeito que sou.
Este é um relato real de uma leitora, caso queira que sua história apareça aqui entre em contato. Não esqueça de comentar isso é muito importante.